Pelo 25 de Abril diversos comentários foram logicamente aparecendo nos jornais portugueses e angolanos, relativos à efeméride. Muito é mais do mesmo, e acabamos por olhar para os vários textos com alguma indiferença, que o passar dos anos vai acentuando, esquecendo-nos do que esteve por detrás de tal evento histórico.
Por Carlos Pinho (*)
Dos textos que li este ano, o que verdadeiramente me marcou foi aquele escrito pelo historiador português Rui Tavares, no jornal Público de 27 de Abril de 2020, intitulado “Portugal, utopia real”. Neste texto, o que li foi uma alegria pelo país que entretanto os portugueses, uns melhor e outros pior, conseguiram construir ao longo de mais de quatro décadas. Segundo o autor, e eu nas minhas limitações concordo, chegou-se ao melhor Portugal de sempre, a uma concretização de uma utopia.
E então pus-me a pensar, e para Angola? No que deu o 25 de Abril de 1974? Será que a revolução que deitou abaixo o Estado Novo também trouxe a Angola algo de novo, algo de que os angolanos quarenta e cinco anos depois se pudessem orgulhar? Que pudessem dizer que tinham construído a melhor Angola de sempre?
Quais foram os benefícios que o povo angolano obteve com a alteração do regime político e social imposta pela revolução do 25 de Abril de 1974? Angola conseguiu a sua independência e logicamente que as lutas de libertação dos angolanos e dos povos das outras colónias portuguesas contribuíram imensamente para esta revolução e tal é certamente um motivo de orgulho para os angolanos. Foi um benefício supremo! E que mais?
O processo de independência de Angola foi inquinado à partida pelo facto de que os três movimentos ignorarem olimpicamente a sociedade civil e levarem a cabo uma guerra fratricida, que aliás já vinha de trás. Um dos movimentos conseguiu apoderar-se do poder com o apoio subterfugido dos integrantes do MFA (Movimento das Forças Armadas português), que com ele politicamente simpatizavam e criou-se uma réplica, à moda do Futungo, do Estado Novo que vigorou nos últimos anos do regime colonial português. A essa réplica, eu chamo Estado Velho, porque o original na altura, e antes do 25 de Abril, embora novo de nome, já era um velho com quase meio século.
Mas ironia das ironias, o partido que ganhou a corrida, e que estava eivado de preconceitos, ódios raciais e políticos, tal como o livro do Carlos Pacheco “Agostinho Neto, o Perfil de um Ditador. A História do MPLA em Carne Viva” mostra à sociedade e à saciedade, não conseguiu mais do que instalar uma cópia pessimamente formatada do Estado Novo Salazarista, agora sob a pele de um Estado Velho Netista.
E, olhando para trás, inicialmente a Angola independente foi toda uma série de atropelos e perseguições, culminados pelos eventos do 27 de Maio de 1977 e anos de terror subsequentes, a submissão aos interesses soviéticos e cubanos, a um socialismo de lojas para os dirigentes do partido e filas para o povo. Na década de noventa foi o virar da casaca quando se desfez o Império Soviético e o socialismo foi substituído sem pudor nem vergonha pelo capitalismo mais ordinário, tudo isto em nome do omnipresente partido e seu Estado Velho.
Criou-se, seguindo afirmações bem-intencionadas por parte do máximo detentor do poder, uma acumulação primitiva de capital, afirmações essas que não foram mais do que umas justificações despudoradas e sem ponta de vergonha para justificar a roubalheira que esse senhor e seus parceiros do malfadado Estado Velho levaram a cabo.
Pode alguém em Angola, quarenta e cinco anos depois, dizer de modo bem-intencionado que se criou a melhor Angola de sempre? É evidente que não! Mas certamente que irá aparecer alguém, que reputo de intenções duvidosas, que dirá que sim. Gente do tipo daquela que afirma a pés juntos que o partido do Estado Velho foi fundado na década de 1950, mesmo que quem por lá tenha andado e participado jure a pés juntos que não. Há sempre quem se venda por uns tostões ou kwanzas furados, ou dólares, que sempre ficam mais em conta e esteja disposto a recriar uma historiografia desse regime de Estado Velho.
E entretanto a miséria vai-se mantendo e as falácias vão sendo reforçadas com sucessivas mudanças de líderes e renovações das equipas governamentais. Nomeia-se, exonera-se, passam-se os títeres de uns ministérios para outros e a festa continua.
O diferencial entre Angola e os países desenvolvidos aumenta paulatinamente por muitos arranha-céus que se construam em Luanda. Para quê tanto pardieiro com imensos andares se a maioria do povo vive em musseques e periferias nojentas?
Aproxima-se agora a triste efeméride do 27 de Maio. O Edgar Valles questiona numa página da internet “Reconciliação e perdão, a sério?”. Mas como se pode perdoar a quem não mostra arrependimento? Meu caro por muito que lhe doa, e sei que dói muito, você está perder tempo com pulhas da pior espécie. Você está a falar e a escrever a sério, os outros que você interpelou, estão, é triste dizê-lo, a brincar consigo e com os familiares dos falecidos e com todos ainda vivos e que passaram por aquele martírio. No partido do Estado Velho são todos cúmplices de vergonha infinda. O que se passou no pós 27 de Maio, perpetrado pelo então supremo líder do Estado Velho, foi um crime nefando. E como tal, para o Estado Velho não existe, nada se passou. É somente a imaginação de uns quantos.
O legado do 25 de Abril de 1974 em Angola é uma verdadeira vergonha!
Não, nenhum Angolano de bem poderá dizer, ao contrário daquilo que o Rui Tavares disse sobre Portugal. De facto terá de dizer o oposto: A Angola nascida no 25 de Abril, fruto do Estado Velho de cariz protofascista, foi a pior versão histórica possível de ser criada! E o pior é que aqueles que a governam continuam a não mostrar um pingo de vergonha.
(*) Professor da FEUP – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto